Já passamos por isso. A indústria é cíclica. Centralização, descentralização. Monolitos, microsserviços. Mas se você está lendo isso, provavelmente está passando por uma transformação para microsserviços ou, pior ainda, lidando com as consequências de uma mal executada. E está se perguntando: como chegamos a esse caos distribuído?
Para entender isso, precisamos recuar um pouco. A orientação a objetos nos ensinou a dividir os problemas em pedaços pequenos que interagem por mensagens. Esses objetos são leves, reutilizáveis e verborrágicos. Isso funciona dentro de um processo. Mas coloque uma rede entre eles e tudo muda.
Martin Fowler já disse: “A primeira lei do design de objetos distribuídos: Não faça.”
Então como fomos parar em um mundo onde todo slide de arquitetura tem um diagrama intitulado “Nosso Landscape de Microsserviços”?
Por que Microsserviços, afinal?
Microsserviços, apesar do hype e das definições vagas, fazem bem uma coisa: forçam limites. Em vez de milhares de classes agrupadas, você (idealmente) tem unidades implantáveis com seus próprios times, ciclos de vida e responsabilidades.
A palavra-chave é idealmente. Na prática, muitas empresas passaram de monolitos sem limites para sistemas distribuídos sem limites. Todo o acoplamento, agora com latência.
Os benefícios existem — mas só quando tratamos os microsserviços como serviços de granularidade grossa, não como objetos distribuídos. É aí que os princípios SOLID entram.
Bounded Contexts e a Maldição do “Micro”
Serviços pequenos demais se tornam como objetos: dependentes, verborrágicos e frágeis. Se você precisa alterar três serviços só para renomear um campo, criou um sistema distribuído de objetos, não um sistema orientado a serviços.
A solução não é abandonar modularidade, mas repensar o que é um módulo. Entra em cena o conceito de Bounded Context — da modelagem estratégica do Domain-Driven Design — que nos incentiva a agrupar modelos, vocabulário e comportamento dentro de limites claros.
Comece pela linguagem. Se sua equipe diz “reserva” em um lugar e “pedido” em outro para significar a mesma coisa, você encontrou um limite. Se “usuário” significa cinco coisas diferentes no seu sistema, trace as linhas.
Bounded Contexts nos dão o espaço natural para aplicar SOLID.
Aplicando SOLID em Microsserviços
Não trate SOLID como algo de classe. Veja como um heurístico sistêmico de design. Veja como cada princípio ajuda a domar seu inferno de microsserviços:
Princípio | Interpretação Sistêmica | Exemplo |
---|---|---|
SRP | Cada serviço deve fazer bem uma única coisa | Não misture cobrança com suporte ao cliente |
OCP | Adicione comportamento sem alterar contratos | Use versionamento de API e feature flags |
LSP | Substitua serviços sem quebrar consumidores | Deploys blue-green com respostas compatíveis |
ISP | Clientes não devem depender do que não usam | APIs especializadas para mobile, frontend etc. |
DIP | Serviços dependem de contratos, não implementações | Publique eventos de domínio, evite chamadas diretas |
Revisitando os Cheiros
Os velhos conhecidos — rigidez, fragilidade, imobilidade, viscosidade — estão todos presentes nos microsserviços.
- Rigidez: Mudança no Serviço A quebra o Serviço B? Falta versionamento.
- Fragilidade: Feature flags e configs misturadas? Reavalie sua estratégia de release.
- Imobilidade: Quer reutilizar lógica mas ela está acoplada ao Kafka, Postgres e Prometheus? Extraia o domínio.
- Viscosidade: Endpoints se acumulam porque mudar a abstração é doloroso? Isso é viscosidade arquitetural.
Os mesmos princípios que melhoram seu código também funcionam aqui. Mas agora o preço de ignorá-los não é só um teste quebrado — é um incidente em produção.
A Jornada de Crescimento
Startups não precisam de microsserviços. Elas precisam validar produto.
Scale-ups precisam sobreviver à entropia. É aqui que SOLID começa a importar.
Empresas em escala global têm problemas diferentes — performance, custo, latência — mas também precisam de limites. Só que eles se desenham em torno de confiabilidade e infraestrutura.
Consideração Final
Microsserviços não são objetivo. São troca.
Se você desenha sistemas sem princípios, só vai escalar o caos.
Bounded Contexts te dão o vocabulário. SOLID te dá a disciplina.
Sem os dois, você não está construindo sistemas — está distribuindo arrependimentos.