Leadership

Fazendo o Remote-First Funcionar — Parte 1: Engatinhar, Caminhar, Aprender

Jornada de chamadas desajeitadas na mesa da cozinha ao domínio da colaboração distribuída—aprendendo comunicação assíncrona, documentação como empatia e mentalidade remote-first através de experiência real

Engatinhar: Meus Primeiros Passos no Trabalho Remoto

Antes da Dell, remoto era só uma palavra da moda para mim. Em todos os trabalhos anteriores, a ideia de alguém não estar fisicamente presente era quase um bloqueio. A colaboração acontecia lado a lado, literalmente. As mesas eram compartilhadas. As reuniões aconteciam em frente ao quadro branco, com todos na sala. Trabalho remoto não era apenas raro—era invisível.

Quando entrei na Dell, em Porto Alegre, tudo mudou. Não de imediato. Foi um engatinhar lento.

A sede ficava em Austin, Texas. Tínhamos colegas na Índia. Essa distribuição tornava o trabalho remoto algo necessário—era o padrão. Minha primeira experiência com colaboração remota foi desajeitada. Chamadas com áudio ruim. Google Docs compartilhados com conflitos de edição. Naquela época, eu nem tinha uma cadeira decente em casa—remoto significava conectar do balcão da cozinha ou da mesa da sala.

Mas tive sorte. Alguns colegas já trabalhavam assim há anos. Eles foram pacientes. Me mostraram a importância de escrever as coisas, de comunicar demais sem sobrecarregar, e de respeitar o tempo do trabalho assíncrono. Eu não era rápido, mas estava aprendendo. Foi ali que dei meus primeiros passos em direção a uma mentalidade remote-first.

Caminhar: Distribuído por Natureza na ThoughtWorks

A ThoughtWorks era diferente. Remoto não era exceção—estava no DNA desde o começo.

Ainda baseado em Porto Alegre, entrei em times com pessoas trabalhando de San Francisco, Califórnia (a sede), e várias cidades da Índia. Diferente da Dell, as ferramentas e expectativas já estavam no lugar. Os times já sabiam lidar com os fuso-horários. E transformávamos essas restrições em alavancas.

O que fazia funcionar?

  • Documentávamos tudo com obsessão (sem burocracia).
  • Usávamos os momentos de sobreposição de horário com inteligência.
  • Criamos rituais que funcionavam tanto em Porto Alegre quanto em San Francisco.

Uma prática simples, mas poderosa, era o “handoff do fim do dia”. Antes de sair, você postava uma mensagem rápida: o que fez, o que vai fazer, e se tem algo te bloqueando. Não era formal. Ninguém exigia. Mas criava continuidade sem depender de todo mundo estar online ao mesmo tempo.

Outra ideia poderosa: preferir o assíncrono. Usávamos reuniões com parcimônia, e sempre havia alguém responsável por registrar os resultados. Discussões aconteciam em threads. Decisões eram registradas em markdown. O histórico do Git não era só código—era o registro do raciocínio.

Uma prática que eu realmente valorizava—especialmente nos raros momentos síncronos—era manter a câmera ligada. Não era uma regra, mas um hábito compartilhado que incentivávamos e celebrávamos como equipe.

Trabalhando em tantos fusos e contextos diferentes, ver o rosto das pessoas fazia muita diferença. Ajudava a construir confiança, deixava as conversas mais naturais, e dava uma pequena janela para o ambiente de cada um. Essa conexão visual ajudava a encurtar distâncias.

Carrego esse hábito até hoje. Tornou-se uma parte significativa da forma como me conecto com colegas remotos.

Dito isso, também entendo hoje—algo que eu não sabia na época—que para algumas pessoas, especialmente de grupos sub-representados ou marginalizados, manter a câmera ligada pode ser desconfortável ou até injusto de se esperar. Naquele momento, não tínhamos essa consciência. Sabíamos apenas que funcionava para o nosso time e nos aproximava. Olhando para trás, sou grato por como isso moldou nossa cultura, e hoje sou mais cuidadoso em respeitar o espaço e os limites de cada pessoa.

Esses não eram processos formais. Eram hábitos. E faziam toda a diferença.

Aprender: Uma Mentalidade, Não um Setup

Remote-first não é sobre home office. Não é sobre fadiga de Zoom, etiqueta no Slack, ou “câmera ligada”.

É sobre desenhar o sistema operacional do time com base na confiança distribuída, não na presença física.

Eu não inventei nada disso. Tive a sorte de trabalhar com pessoas que já faziam isso há anos—e que mostravam, pelo exemplo, que:

  • Boa comunicação não depende de estar disponível, mas de ser claro.
  • Autonomia cresce quando as expectativas são explícitas.
  • Documentar é um ato de empatia, não um fardo.

Com o tempo, essas ideias ficaram. Viraram parte de como eu trabalho e de como ajudei times a trabalharem melhor.

O Que Vem Depois

No próximo post, vou contar como transformamos essas lições em um modelo officeless—não por necessidade, mas por escolha. Com apoio da Iryna Kulakova e nosso time 100% remoto em 2021, decidimos não esperar para ver se voltaríamos ao escritório. Preferimos desenhar o que queríamos nos tornar.

Até lá.